A utilização de princípios ativos de
vegetais e minerais, fundamento da farmacologia, é muito antiga. Os
egípcios já recorriam a substâncias como o ópio, com função hipnótica,
ou a beladona, como narcótico.
Farmacologia (do grego pharmakon,
"medicamento" e logos, "estudo"), é o estudo das drogas, dos
medicamentos e dos venenos, sob os aspectos de sua obtenção, preparação,
ação e efeitos nos organismos vivos. Seu estudo e métodos de
investigação se apóiam em outras ciências - matemática, física, química e
biologia - e em muitos de seus ramos, como estatística,
físico-química, biofísica, bioquímica, ecologia, genética, botânica,
zoologia, patologia, anatomia e, principalmente, fisiologia - do homem,
dos animais, dos vegetais e dos microrganismos.
Com um campo tão abrangente, a
farmacologia comporta divisões e subdivisões. Seus ramos principais são:
(1) farmácia, que trata da obtenção, preparação, conservação e
padronização dos medicamentos; (2) farmacognosia, identificação dos
princípios ativos naturais dos medicamentos de origem vegetal e animal;
(3) toxicologia, que estuda os agentes tóxicos e venenos, seus efeitos e
mecanismos de ação sobre os organismos vivos e desempenha papel
importante no terreno médico-legal e na medicina do trabalho; (4)
farmacodinâmica, estudo das ações, dos efeitos e do destino dos
medicamentos no organismo vivo; (5) posologia, que estuda as doses dos
medicamentos; (6) quimioterapia, utilização de agentes químicos no
tratamento de doenças; e (7) terapêutica, que no sentido mais amplo é o
emprego de diferentes técnicas no combate às doenças.
Histórico
O homem sempre procurou, com
oferendas, sacrifícios e invocações, acalmar a ira das divindades e
delas obter complacência, alívio e cura de seus males. Ao mesmo tempo,
porém, tentou encontrar na natureza recursos para afastar as doenças e
minorar ou anular seus efeitos maléficos. Receitas para o preparo de
medicamentos aparecem numa placa de argila com cerca de cinco mil anos,
encontrada em escavações realizadas na Suméria. É o documento
farmacológico mais antigo que se conhece. O papiro de Ebers (de 1500
a.C.) contém uma lista de medicamentos, entre os quais alguns com
propriedades reconhecidas na atualidade, como o ferro, usado para
combater anemias. Também entre babilônios e assírios, chineses,
indianos, povos incas e pré-incaicos era comum a utilização de plantas
com fins curativos.
A medicina européia caracterizou-se,
até o século XVI, por grande apego às doutrinas dos clássicos gregos,
sobretudo as de Galeno, aceitas como absolutas por mais de um milênio.
Galeno acreditava que a cura dependia da associação de muitos
medicamentos, pois se supunha que as doenças atingiam sempre mais de um
órgão ao mesmo tempo. O primeiro a combater o galenismo foi Paracelso,
que no século XVI adotou novos medicamentos e preconizou o emprego do
medicamento único, de acordo com a norma contraria contrariis curantur
(os contrários se curam pelos contrários), contra a causa produtora da
doença. Paracelso combateu também veementemente a escola árabe,
principalmente representada na monumental obra sobre medicina de
Avicena, Cânon, cujo quinto volume é inteiramente dedicado à
farmacologia.
Embora o estudo da estrutura e das
funções orgânicas evoluísse nos 300 anos seguintes, a terapêutica
permaneceu mais como arte que como ciência. Em fins do século XVIII e
início do século XIX, Samuel Hahnemann reagiu à imprecisão da
farmacologia com a criação da escola homeopática, cuja doutrina se apóia
no aforismo similia similibus curantur (semelhantes se curam pelos
semelhantes).
Em 1803, o farmacêutico alemão
Friedrich Wilhelm Sertürner conseguiu isolar a substância responsável
pela ação hipno-analgésica do ópio (látex da papoula), à qual deu o nome
de morfina. Foi o primeiro de uma longa série de princípios ativos
isolados a partir de vegetais. O conceito de investigação sistemática da
ação das drogas, porém, somente apareceu em 1850 com François
Magendie. Foi grande, nesse sentido, a contribuição dos fisiologistas e
químicos.
A utilização de medicamentos para
aliviar sintomas e combater doenças, ao longo de todo o século XIX,
continuou fundada principalmente na superstição, na magia e na religião.
A base do arsenal terapêutico, de origem vegetal ainda era constituída
de formas galênicas - tinturas, extratos etc. - de composição muito
complexa e efeitos múltiplos. A farmacologia como ciência teve realmente
início na segunda metade do século XIX, com dois pesquisadores alemães
alunos de Magendie. Rudolph Buchheim instalou o primeiro laboratório
de farmacologia experimental na Universidade de Dorpat. Oswald
Schmeiderberg criou, na Universidade de Estrasburgo, o mais importante
centro de pesquisa, difusão e sistematização da farmacologia
experimental.
Merece destaque o trabalho de outro
discípulo de Magendie, Claude Bernard, que relatou suas experiências com
o curare, usado pelos indígenas da Amazônia para envenenar flechas.
Seu contemporâneo Louis Pasteur, entre outras descobertas importantes,
estabeleceu o conceito de doenças infecciosas transmissíveis e preparou
vacinas preventivas e curativas. Com Pasteur e seus continuadores, a
farmacologia ganhou medicamentos novos, capazes de produzir imunidade
artificial.
A maior descoberta da farmacologia,
senão da medicina, no século XX, foi a dos antibióticos, substâncias
elaboradas por organismos vivos e utilizadas com o fim de destruir ou
impedir o desenvolvimento de outros seres vivos de ação patogênica.
Coube ao britânico Alexander Fleming, em 1928, fazer as primeiras
observações que levariam à descoberta da penicilina. Atualmente, é
grande a quantidade de antibióticos de eficácia comprovada, mas as
pesquisas continuam, em função das situações novas que surgem. Inúmeras
outras descobertas e sínteses vêm sendo feitas nesse campo. Imensamente
enriquecida, a farmacologia atual constitui matéria básica e
indispensável do currículo médico-científico.
Preparação de medicamentos
Todo processo de preparação,
administração e eliminação de um medicamento deve considerar desde as
perspectivas nutricionais e funcionais até as de higiene. Há
medicamentos constituídos de substâncias que não são compostos químicos
definidos (pomadas, loções, tinturas, extratos etc.) e outros com
fórmula e estrutura químicas estabelecidas com precisão.
Os princípios ativos de um medicamento
têm diferentes origens. Predominam, no entanto, entre as muitas
substâncias utilizadas, as vegetais (alcalóides, glicosídeos etc.) e as
elaboradas por microrganismos e fungos (antibióticos).
Independentemente de sua origem, os diferentes processos de preparação e
teste dos medicamentos têm uma série de etapas comuns. Inicialmente,
isola-se um princípio ativo ou sintetiza-se uma molécula que possa
exercer algum tipo de ação terapêutica. Em seguida, se procede à
realização de uma série de testes de segurança para analisar possíveis
ações tóxicas e efeitos colaterais nocivos, além de conseqüências
negativas que a administração do medicamento possa acarretar ao feto em
caso de gravidez. Todos esses exames constam da fase de experimentação
em animais de laboratório e, uma vez confirmada sua inocuidade,
segue-se uma segunda fase em pacientes, que constitui a disciplina
conhecida como farmacologia clínica.
Uma vez introduzido no organismo, o
medicamento atua interligando alguns átomos e moléculas que fazem parte
de sua composição com células do corpo, denominadas receptoras. Como
conseqüência da interligação, desencadeia-se um efeito curativo. O grau
dessa ação é, então, quantificado com precisão, mediante análises e
avaliações. Nesse contexto se enquadram os testes físicos, químicos,
espectroscópicos e biológicos. Estes últimos se realizam pela comparação
de níveis de atividade em cobaias (ratos, cobaias, coelhos, macacos
etc.), microrganismos ou modelos experimentais artificiais. Concluídos
os exames necessários, é possível relatar detalhadamente as
características gerais, a posologia, os efeitos secundários e as
contra-indicações (estados de enfermidade que tornam inadequado o
tratamento adotado para combater outro processo patológico) de cada
preparação farmacêutica.
Indução e mecanismo de ação
Um medicamento pode ser introduzido no
organismo por via oral, forma mais freqüente e natural, por via anal
ou vaginal, ou por simples aplicação cutânea (tópica). Quando essas
formas de administração não se mostram adequadas, recorre-se à injeção,
que pode ser intramuscular (feita na parte interna dos músculos),
hipodérmica (quando o preparado é inoculado no tecido subcutâneo) e,
conforme a situação, intravenosa, intradérmica, intracardíaca,
intra-raquidiana etc.
Quando a introdução do medicamento
ocorre com normalidade, registra-se sua absorção e passagem, por meio do
sangue, ao órgão no qual deve exercer ação. Efetuada a ação
terapêutica, os medicamentos são transformados, em geral no fígado, e,
aumentando em grande medida seu coeficiente de solubilidade em água, são
filtrados e eliminados pelos rins.
Saúde pública
No Ministério da Saúde do Brasil
funciona o Departamento de Fiscalização de Medicina, Farmácia e
Odontologia. A primeira atribuição desse departamento é editar e manter
atualizado o códice farmacêutico oficial, a Farmacopéia brasileira,
elaborado e revisado por uma comissão técnica composta de médicos,
farmacêuticos, químicos e botânicos. Traz a relação dos medicamentos
considerados oficiais, de seus processos de obtenção e preparação, dos
padrões e métodos de identidade, de qualidade e de atividade das drogas
(matérias-primas) que entram na composição dos medicamentos manipulados
nas farmácias ou fabricados nas indústrias químico-farmacêuticas. Para
exercer a fiscalização, existe o Laboratório Central de Controle de
Drogas, Medicamentos e Alimentos (LCCDMA).